Artigos, BARELLI & GASTALDELLO

POR QUE O CONTRATO SOCIAL TEM UM PAPEL ESSENCIAL NO SUCESSO OU INSUCESSO DE QUALQUER EMPRESA OU STARTUP?

Quem nunca ouviu alguém comentar sobre uma empresa ou Startup que foi encerrada porque os sócios brigaram? Infelizmente essa é uma situação rotineira, mas que muitas vezes poderia ter sido resolvida facilmente se existisse um contrato social ou um acordo de sócios bem elaborado.

O contrato social, além de ser um requisito legal, desempenha um papel primordial no funcionamento e na proteção de qualquer empresa ou startup, pois reflete ou deveria refletir a vontade dos sócios, o capital investido e as regras para o desenvolvimento do negócio. Infelizmente, muitos contratos sociais são deficientes, apresentando cláusulas vagas, omissões importantes ou erros que podem resultar em responsabilidades financeiras ilimitadas para os sócios.

Existem elementos obrigatórios que devem constar em qualquer contrato social, a exemplo do nome empresarial, objeto social, endereço da sede, valor do capital social, quem é o administrador(a), entre outros. 

A existência destes elementos mínimos e obrigatórios, dos quais a maioria são autoexplicativos, são analisados pelos órgãos competentes tanto no momento do registro da sociedade como também quando é requerida alguma alteração no contrato social.

Ocorre que na imensa maioria das empresas e das Startups existem no contrato social, no mínimo, um dos seguintes erros: (1) cláusulas que não refletem o efetivo valor de investimento e/ou a vontade dos sócios, (2) omissões sobre assuntos de grande importância e (3) erros ou contradições que podem, inclusive, gerar a responsabilidade ilimitada dos sócios perante terceiros.

Os referidos erros ocorrem porque o(s) sócio(s) não informam adequadamente suas vontades e objetivos aos advogados, contratados para elaborar o contrato social, ou porque estes não possuem a expertise necessária na área de direito societário.

Independentemente do motivo, seguem abaixo apontadas situações que devem ser consideradas pelos empresários e advogados para evitar prejuízos a empresa ou Startup:

Capital Social

Em resumo, consiste no valor que os sócios, efetivamente, investiram ou investirão na empresa, seja em dinheiro, bens ou produtos.

A exata indicação do valor do capital social é importante, porque:

  • Se qualquer sócio vender suas cotas para terceiros, é apurado se há diferença entre o valor das cotas declaradas e o valor para aquisição e, caso a diferença seja um saldo positivo, deverá o sócio vendedor pagar o ganho de capital;
  • Se algum sócio integralizar sua cota com produtos e deixar de especificar tal forma no contrato social, existirá uma diferença nos relatórios contábeis da empresa e essa diferença pode ser utilizada por terceiros como um indício de confusão patrimonial entre os bens da empresa e dos sócios, e, por conta disso, pode haver a responsabilização pessoal dos sócios por dívidas da empresa;
  • Se o valor do capital social não for condizente com a estrutura da empresa, essa diferença também pode ser utilizada como indício de confusão patrimonial.

Exclusão Extrajudicial de Sócio Minoritário

De acordo com o artigo 1.085 do Código Civil, os sócios que representarem mais da metade da totalidade do capital social podem excluir da sociedade, de forma extrajudicial e com a simples alteração do contrato social, o sócio(s) minoritário(s) que estiver(em) colocando em risco a continuidade da sociedade.

Contudo, a aplicação do referido artigo está condicionada a existência de cláusula nesse sentido no contrato social.

Para evitar uma discussão judicial e uma possível rejeição do órgão competente em aceitar a alteração do contrato social, é imprescindível que seja estabelecido no contrato social as condutas que configuram risco a continuidade da empresa. 

Condutas que Configuram Falta Grave

O Artigo 1.030 do Código Civil prevê que, mediante a iniciativa dos demais sócios, um sócio pode ser excluído da sociedade por falta grave no cumprimento de suas obrigações.

Entretanto, em razão de cada empresa ou Startup ter uma realidade especifica e prestar serviços distintos, inexiste um consenso no judiciário sobre quais condutas constituem uma falta grave. 

Essa dificuldade de consenso demonstra a importância de ser estabelecido no contrato social as condutas que caracterizam uma falta grave. 

Para ilustrar tal importância, segue exemplo abaixo:

Considerando o cenário de uma empresa que tem um sócio que tem apenas a obrigação de injetar dinheiro para o capital social e outro sócio que tem apenas a obrigação de trabalhar para desenvolver a empresa, é improvável que o segundo sócio consiga excluir o primeiro por não trabalhar, até porque não era sua obrigação. Já na hipótese contrária, se houvesse no contrato social a descrição da obrigação de cada um dos sócios e que o descumprimento seria considerado uma falta grave, provavelmente o sócio que injetou capital conseguiria excluir o outro sócio, na hipótese deste deixar de trabalhar.

A inexistência de indicação no contrato social do que é considerado uma falta grave e a falta de consenso sobre o assunto acaba por levar discussões simples para serem resolvidas pelo Poder Judiciário ou por um Tribunal Arbitral e, consequentemente, geram custos, stress, perda de tempo e em muitas ocasiões até o encerramento das atividades.

 Para evitar tantos prejuízos é importante que, anteriormente ao conflito, os sócios conversem, estipulem e incluam no contrato social quais são as condutas que configuram falta grave, a exemplo de agressão a outro sócio ou funcionários, exposição política em redes sociais, falta de integralização do capital social, deixar de prestar serviços específicos etc. 

Descrição das Funções dos Sócios

 Há sociedades que os sócios optam por ambos terem o dever de trabalhar e se responsabilizar por serviços específicos, como também existem sociedades em que um sócio tem o único dever de injetar capital para o capital de giro.

Em ambas as situações é prudente que seja incluído expressamente no contrato social cláusula indicando qual é o dever de cada sócio. 

Tal previsão é importante para que seja possível obter a exclusão de sócio, na hipótese de descumprimento das funções que eram de sua responsabilidade.

Parâmetros claros para apuração e pagamento dos haveres

Outro dia ouvi um colega mencionar que os seres humanos têm apenas duas certezas na vida: a morte e o pagamento de tributos. Mas para empresários também existe outra certeza na vida, qual é: a dissolução da sociedade e, consequentemente, a apuração dos haveres.

Essa certeza existe porque durante a vida muitas situações podem ocorrer, a exemplo de uma crise financeira; alteração de objetivos pessoais, discussões entre sócios sobre o futuro da empresa; morte, entre outros.

Em todas essas situações será necessário apurar os haveres do sócio retirante ou de todos, caso seja decidido pelo encerramento da sociedade.

Aí vem o problema. Na maioria dos contratos sociais não existem regras claras ou bem redigidas sobre a forma de apuração da haveres, o que gera uma discordância entre os sócios que geralmente termina também sendo resolvida pelo Poder Judiciário ou por um Tribunal Arbitral.

Essa falta de regras claras gera, na maioria dos casos, grandes custos para a sociedade e uma demora excessiva para resolver a discordância, sendo necessária a publicação de editais, envio de notificações, entre outras formalidades.

Para evitar esses prejuízos, basta que essas regras para apuração de haveres sejam simplificadas e constem de forma clara no contrato social. 

Tal simplificação não é vedada pela legislação, sendo possível até mesmo que os sócios decidam que a forma de apuração e pagamento de haveres seja de forma diferente para situações distintas, desde que essas diferenças estejam claras no contrato social.

E muitas vezes essas formas diferentes de apuração e pagamento de haveres são até mais justas do que se fossem iguais, pois não seria justo que um herdeiro de um sócio falecido recebesse os haveres em um curto prazo, enquanto seria adequado que um sócio vivo recebesse os haveres nesse curto prazo, caso decidisse e informasse aos demais sócios que iria se retirar da empresa, com pelo menos 100 (cem) dias de antecedência. 

Portanto, é essencial para todas as empresas e Startups que incluam em seu contrato social disposições claras, simplificadas e bem redigidas acerca da apuração e pagamento de haveres aos sócios.

No presente artigo foram abordadas apenas algumas situações que demonstram a importância do contrato social para o sucesso ou insucesso de uma empresa ou Startup, mas existem diversas outras situações que devem ser consideradas em cada caso.

Além disso, dependendo do objetivo dos empresários e do tamanho da empresa ou Startups, é mais adequado e seguro que algumas das situações que foram explicadas neste artigo não sejam tratadas no contrato social, mas em um acordo de sócio, que é outro documento de grande relevância para a empresa e que tem um caráter sigiloso. Veja que é essencial que sejam verificadas, por um profissional qualificado, as particularidades de cada negócio para elaboração do contrato social.

 Mas afinal, como está o contrato social da sua empresa? Ele protege os sócios; auxilia no desenvolvimento do negócio e reflete sua realidade ou pode estar comprometendo o futuro do seu negócio?

Laio Gastaldello Zambelo é sócio do escritório Barelli & Gastaldello Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e em Direito Empresarial pelo INSPER, tendo realizado cursos de extensão no ramo de direito falimentar e na área de Fintechs, respectivamente, na Universidade Fordham – NY e na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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